O morro de Zé Mole
tem um veeiro escondido.
Tem um filão encantado.
toda gente sabe disso,
não é lenda nem inventação.
É um grosso veeiro,
legítimo , natural,
perdido numa gruna,
afundado numa solapa
que só Pretovelho sabia
Pretovelho candongueiro,
resto de cativeiro,
morava no Chupa- Osso
lenhava lá no Zé Mole.
Vez por vez
quando nos dias emendados
de chuva
o burro derrengado,
manquitola,
nao podia com o cargueiro
de lenha,
Pretovelho
resto de cativeiro,
no escuro da noite,
sozinho no morro,
metido na sua ronha,
sovertia-se na gruna,
sumia-se na solapa
e
voltava trazendo a cumbuquinha
de pescoço
cheia de ouro fino,
sem tarja.
Vendia a seus conhecidos
no comércio da cidade.
Matava sua precisão.
O velho não contava
onde estava
aquele grosso filão.
Só dizia, se queria,
quando instado:
"Deus dá
para o tamanho
da percisão".
O que o povo
não ardilou
O que o povo
não sofismou
O que o povo
não especulou
pra Negrovelho contar,
dessa furna,
dessa gruna,
dessa solapa!
Pretovelho calado,
mascando seu fumo,
Pretovelho fechado
cuspindo de banda,
Pretovelho enleado
na sua ronha.
Nunca dos nunca,
contou
pra seu ninguém
o lugar desse filão.
Só contava que era
maior do que a percisão.
Um dia
Pretovelho ,
resto de servidão,
ficou doente,
muito mal
para morrer.
Gente piedosa,
gente inzoneira.
Gente ardilosa da cidade
tomou conta do Negrovelho.
Muito trato,
muito caldo,
muito agrado,
pra contar
daquele ouro
que ficava assim perdido,
sem proveito
depois que Deus o levasse.
Pretovelho estava no fim
Sentiu aquela gastura.
Aquele frio da morte.
Disse então:
" - a, pois....."
Resolveu publicar
o mistério daquele ouro.
Não queria morrer com o segredo.
Podia vir a penar
por via desse tesouro.
Não era fácil assim
como pensavam.
Não adianta contar.
Ninguém podia acertar.
"-a , pois...."
Que o levassem até lá.
O pusessem morro acima.
O descessem morro abaixo,
que ele então mostraria
aquele veeiro grosso
desse ouro bem guardado,
cobiçado.
Gente piedosa.
Gente astuciosa,
E ardilosa,
da cidade,
o puseram numa rede
com muito jeito e cuidado.
Suspenderam pelos punhos.
Ajeitaram sobre os ombros.
Barafustaram
pro morro.
Andaram que andaram.
Subiram que subiram.
Desceram que desceram.
Balangando.
Planejando,
então,
tamanho descomunal,
fora da percisão.
Numa cruza de carreiros,
precisaram perguntar
Pretovelho,
daqui por diante,
o trilheiro a tomar.
Sopesaram.
Pararam.
Abriram a rede
Perguntaram pelo rumo.
Pretovelho abriu a boca...
Sororoca.
Revirava olhos pra cima
Repuxava uma carranca...
Sororoca
Acabava de morrer.
E o ouro do Zé Mole
lá está
pra quem quiser procurar.
Cora Coralina (in POEMAS DOS BECOS DE GOIÁS E ESTÓRIAS MAIS)
Globo Editora
Casa onde viveu Cora Coralina ´a famosa Casa da ponte' em Goiás Velho
foto de Eduardo Vessoni
Querida Cora Coralina que nos deixou saborosas histórias de um mundo antigo
Viajei nesse poema de Cora Coralina.
ResponderExcluirMaravilhoso Guaraciaba!
Bjs e uma linda semana.
Carmen Lúcia.
Oi, Carmen...tempos antigos , pós coloniais, nos costumes ,na linguagem...dá para viajar no tempo. Pretovelho na rede , carregado pelos brancos (rs) no coração da cobiça.
ResponderExcluirUm abraço
Excelente esta sua postagem, com esse magnífico poema de Cora Coralina, “Caminho dos morros”.
ResponderExcluirTambém posso dizer que revi a casa da poetisa, desta postagem, pois não faz muito tempo que vi um comentário em TV de canal fechado, contando a vida de mulher especial, que nos deixou uma obra de extraordinário valor.
Parabéns, minha amiga Guaraciaba.
Abraço.
Oi,Pedro...a verdade é que Cora Coralina é uma das grandes poetas que se revelaram na literatura brasileira do século XX...descoberta tardiamente a doceira modesta que trazia na alma toda a riqueza e doçura do nosso Brasil profundo e uma contadora de histórias do passado que ela soube guardar e nos legar com muita profundidade e argúcia. Ela sempre me encantou como poeta e como ser humano.
ExcluirUm abraço
Oi Guaraciaba, mas que linda postagem.
ResponderExcluirTambém viajei no tempo e nas recordações, neste lindo cenário da poetiza!
Abraços, e tudo de bom!
Mariangela
Oi , Mariangela... Cora Coralina sabia como ninguém revelar o autêntico espírito de um Brasil profundo...suas lembranças e sua inteligência revelam o quanto existia de belo e também de perverso se revelavam nas histórias antigas.
ExcluirUm abraço
OI GUARACIABA!
ResponderExcluirUMA DAS DELICIOSAS HISTÓRIAS DE "CORA CORALINA" E A FOTO É PRECIOSA.
BELA POSTAGEM AMIGA.
ABRÇS
http://zilanicelia.blogspot.com.br/
Oi, Zilani, ela soube levantar o véu do passado com tanta argúcia e poesia que eu sempre fico encantada quando releio o seu trabalho... e sempre entro no túnel do tempo. A casa da Ponte é magnífica.
Excluirum abraço
Oi amiga, Guaraciaba Perides !
ResponderExcluirA poetisa brinca, no presente poema, com a
ambição. Os personagens, se preciso fosse,
carregariam, também, o animal cargueiro nas
costas, na esperança de encontrarem o "veeiro"
do preto velho.
Linda postagem da obra imortal da Poetisa Cora
Coralina.
Muito grato e um fraterno abraço.
Sinval.
Oi, Sinval. obrigada. Também fico encantada com a perspicácia de Cora Coralina.
ExcluirUm abraço