O PENSAMENTO
O ar. A folha. A fuga.
No lago, um círculo vago.
No rosto , uma ruga.
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HORA DE TER SAUDADE
Houve aquele tempo.
E agora, que a chuva chora,
ouve aquele tempo!
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CARIDADE
Desfolha-se a rosa:
parece até que floresce
o chão cor de rosa.
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AQUELE DIA
Borboleta anil
que um louro alfinete de ouro
espeta em abril.
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SILÊNCIO
Uma tosse rouca.
Lã mole. O "store" que bole.
A noite opaca e oca.
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A INSÔNIA
Furo a terra fria.
No fundo, em baixo do mundo,
trabalha-se; é dia.
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MOCIDADE
Do beiral da casa
(ó telhas novas, vermelhas!)
Vai-se embora uma asa)
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HISTÓRIA DE ALGUMAS VIDAS
Noite. Um silvo no ar.
Ninguém na estação. E o trem
'passa sem parar.
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INFÂNCIA
Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se "Agora"
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LEMBRANÇA
"Confetti".E um havia
de se ir esconder, e eu vir
a encontrá-lo, um dia.
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O POETA
Caçador de estrelas.
Chorou: seu olhar voltou
com tantas! Vem vê-las!
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GAROA
Por um mundo quase
aéreo, há um vago mistério.
Passa o Anjo de Gase.
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NÓS DOIS
Chão humilde. Então,
riscou-o a sombra de um vôo.
"Sou céu!" disse o chão.
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CIGARRO
Olho a noite pela
vidraça. Um beijo que passa,
acende uma estrela.
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CONSÔLO
A noite chorou
a bolha em que, sobre a folha.
o sol despertou.
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VELHICE
Uma folha morta.
Um galho no céu grisalho.
Fecho a minha porta.
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CHUVA DE PRIMAVERA
Vê como se atraem
nos fios os pingos frios!
E juntam-se. E caem.
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MEIO - DIA
Sombras redondinhas.
Soldados de paus fincados
sobre rodelinhas.
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NOTURNO
Na cidade, a lua:
a jóia branca, que bóia
na lama da rua.
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MERCADO DE FLORES.
Fios. Alarido.
Assaltos de pedra. Asfaltos.
E um lenço perdido
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N. W.
Dilaceramentos.
Pois tem espinhos também
a rosa-dos-ventos.
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O SONO
Um corpo que é um trapo.
Na cara, as pálpebras claras
são de esparadrapo.
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DE NOITE
Uma árvore nua
aponta o céu. Numa ponta
brota um fruto. A lua?
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PASSADO
Esse olhar ferido,
tão contra a flor que ele encontra
no livro já lido!
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FILOSOFIA
Lutar ? Para que?
De que vive a rosa? em que
pensa? Faz o que ?
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PESCARIA
Cochilo. Na linha
eu ponho a isca de um sonho.
Pesco uma estrelinha.
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O BOÊMIO
Cigarro apagado
no canto da boca, enquanto
passa o seu passado
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FESTA MÓVEL
Nós dois? - Não me lembro.
Quando era que a primavera
caía em setembro?
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ROMANCE
E cruzam-se as linhas
no fino tear do destino.
Tuas mãos nas minhas.
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O HAIKAI
Lava, escorre, agita
e areia. E enfim, na batéia,
fica uma pepita
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Guilherme de Almeida (POESIA VÁRIA )
Livraria Martins Editora- São Paulo
A poesia em essência vislumbra o infinito.