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quarta-feira, 27 de novembro de 2013

PERSEVERANÇA * ( sonetos de Camões)

O tempo acaba o ano, o mês e a hora
A força, a arte, a manha, a fortaleza;
O tempo acaba a fama e a riqueza,
O tempo o mesmo tempo de si chora;
O tempo busca e acaba o onde mora   
Qualquer ingratidão, qualquer dureza;
Mas não pode acabar minha tristeza,
Enquanto não quiserdes vós, Senhora.
O tempo claro dia torna escuro,
E o mais ledo prazer em choro triste;
O tempo, a tempestade em grão bonança.
Mas de abrandar o tempo estou seguro
O peito de diamante, onde consiste
A pena e o prazer desta esperança.
...................................................................

-Que esperais, esperança?   -Desespero.
-Quem disso a causa foi?    -Uma mudança.
-Vós, vida, como estais?     -Sem esperança.
-Que dizeis, coração?          -Que muito quero.
-que sentis, alma, vós?        -Que amor é fero.
-E, enfim, como viveis?      -Sem confiança.
-Quem vos sustenta, logo?  -Uma lembrança.
-E só nela esperais?             -Só nela espero.
-Em que podeis parar?        -Nisso em que estou.
-E em que estais vós?          -Em acabar a vida.
-E tende-lo por bem?-           -Amor o quer.
-Quem vos obriga assim?     -Saber quem sou.
-E quem sois?                       -Quem de todo está rendida.
-A quem rendida estais?       -A um só querer.

Luís de Camões   (1524? -1580)

* In LIVRO DAS VIRTUDES  - uma antologia de  William  Bennett  - no tópico
Perseverança.

Para complementar o vídeo com poema de Camões cantado pela inesquecível
Amália Rodrigues.



sobre Perseverança.

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terça-feira, 19 de novembro de 2013

O MENINO E O REALEJO (crônica de PAULO BOMFIM)

No terraço do apartamento entre rolinhas, bem-te-vis, e tico-ticos, pousa de vez em quando,
o bando de periquitos.
Devam morar no Parque da Avenida ou nas árvores do Paulistano onde, quando nado de cos-
tas, sinto o azul do céu recortado de penas  verdes e cantos estridentes.
No início, esses turistas eram ariscos, partindo a qualquer gesto que fizéssemos.
Com o tempo, tomaram intimidade, degustando com requinte as sementes colocadas em sua
homenagem, fato que mereceu registro da sensibilidade de Renato Nalini no livro Ética Am-
biental.
Mas entre os periquitos há um que me fita com olhos de velho amigo.
Indago da memória onde havia visto aquele olhar. Teria sido na paineira da fazenda, ou no
ombro da menina loira vestida de vermelho?
Por  manhãs seguidas vamos nos fitando com olhos de indagação.
Um dia, quando o rádio soluçou a valsa esgarçada no cotovelo do tempo, lembrei do realejo
que tocava debaixo das janelas da casa dos avós. E fui novamente criança rodeada de outras
crianças, aguardando o papelzinho que o periquito oferecia com augúrios picotados por seu
bico.
Remoto descendente daquele habitante do realejo, tenta me estender na valsa da manhã, a
intenção da sorte.
Um menino sorriu dentro das rugas,

Paulo Bomfim  (in  Jornal Tribuna do Direito - outubro de 2013)

Sobre músicas de realejo colocamos o vídeo  com a música do repertório brasileiro de música
popular.



quarta-feira, 13 de novembro de 2013

FOTO DE ARTISTA

São poses, são figuras,
São sorrisos, são olhares
E atrás do sonho do artista
O que supõe que  exista?
Que linda imagem
de luz que emoldura
seus cabelos...
que sombra de desejos
em seus apelos...
O quanto que ser no seu
mistério...
Isto posto,
O que existe de fato
no seu rosto,
quando se fecha a cortina
do seu palco.
E fica o artista frente ao
espelho,
longe dos aplausos e
da festa... o que resta?

Guaraciaba Perides (2013)


Para complementar o texto a música BEATRIZ  cantada por MILTON NASCIMENTO


da festa...O que resta?

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O MUNDO DOS SIMPLES...

São modos de ver a vida
e sonhar com ela
nos desejos da alma.
Com o gosto dos sentidos,
desde a mais simples flor
que nasce em qualquer lugar
com a beleza singela
das coisas puras da Terra
aos deslumbrantes espasmos
das forças da natureza...
Gotas de orvalho sobre
folhas tenras e
uma rosa vermelha
aberta no jardim...
O céu se colore aos poucos
em rosa e azul raiados de
amarelo...são toques do
sol nascente...
O mar ronronando ondas
como um gato satisfeito
que  acaba de acordar.
Na mata ao lado
macaquinhos gritam
fazendo alvoroço,
a grama está molhada
sob os pés descalços
e lá de dentro vem
o cheiro forte
do café coado...
Meninos passam alegres
correndo e chutando pedras.
Passa alguém de bicicleta
e acena...
os cachorros correm atrás
fazendo festa...
...............................................................
Eis que a cena perde o colorido
e o que vejo agora
são pessoas enfileiradas
frente a um poste...
São pessoas simples
nas calçadas e estando frio
enroladas em cachecóis.
Chega o ônibus e já vem cheio...
mas tem que ser, senão atrasa...
Mais um dia de trabalho na cidade,
nas ruas, nas fábricas, nas lojas,
nas escolas, nos hospitais.
Em todos os lugares
pessoas entram e saem,
algumas alegres,
outras pensativas,
em gestos automáticos
organizam a rotina do dia.
Palavras soltas no ar...
Nos pátios das escolas
as crianças pelos cantos
aquecem os seus segredos
e os mais novos em
gritos desvairados correm
felizes pelo simples fato de viver.

Os sinos da igrejas tocam...naquelas
aonde ainda existem sinos...
E o dia  assim começa
Que seja bom, que seja festa!
.........................................................................
E no descanso da tarde
e do sol posto,
na rotina do campo e da cidade,
o cansaço chega aos membros doloridos,
os olhos pedem guarida
como aves que procuram ninhos....
Vamos recolher as nossas tendas
Vamos pedir  paz ao Criador.
Àqueles que podem...descanso...
e aos que ainda continuam em serviços
que não podem nunca parar...coragem.
Também aos jovens que
em escolas noturnas
procuram construir, de algum modo,
um mundo que lhes seja melhor...
Perseverança.
O mundo dos simples,
obreiros da esperança,
construído em planos
facetados no mistério
dos caminhos que se cruzam
e conduzem
os desígnios do Todo
em qualquer parte...


Guaraciaba Perides

No contraponto do Mundo dos Simples...o magnífico "Balada de um louco"
por Ney Matogrosso