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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O Mapa da Mina

Procurando o mapa da mina
percorri os labirintos
vasculhei os quatro cantos
quis entender o conflito.
Armei-me com dentes de aço
tracei as curvas do tempo
chorei de dor e de alegria,
fui fundo no coração.
Quis amparar os aflitos
quis reduzir os espaços
entrei por dentro de mim
saí por outros caminhos
na busca do ouro mais puro
da quintêssencia da vida.
E ainda perambulando
por sonhos e pensamentos
na lógica do abstrato,
suspensa nas asas dos Anjos
sinto fluir em meu sangue
o que a memória do tempo
traçou na face da esfinge.

Guaraciaba Perides (2002)
Dedicado à Rachel,minha amiga judia, (historiadora e doutora em questão judaica)
que tem passado a sua vida a estudar e entender suas raízes.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

A Hóspede ( Guilherme de Almeida)

Não precisas bater quando chegares
Toma a chave de ferro que encontrares
Sobre o pilar, ao lado da cancela,
e abre com ela
a porta baixa, antiga e silenciosa

Entra, aí tens a poltrona, o livro, a rosa,
o cãntaro de barro e o pão de trigo,
o cão amigo
pousará nos teus joelhos a cabeça.

Deixa que a noite, vagarosa, desça
Cheiram a relva e sol, na arca e nos quartos,
os linhos fartos,
e cheira a lar o azeite da candeia.

Dorme, sonha, desperta.Da colméia
nasce a manhã de mel contra a janela.
Fecha a cancela,
e vai.

Há sol nos frutos dos pomares
Não olhes para trás quando tomares
o caminho sonâmbulo que desce
Caminha e esquece.

Guilherme de Almeida

sábado, 25 de setembro de 2010

A vida tem seus encantos

Pequenos mimos no jardim,
uma borboleta que esvoaça,
um sabiá cantando a madrugada,
um sol risonho iluminando a estrada.
Uma criança começando a andar,
um riso que se ouve de repente,
uma canção que nasce da memória,
um coração a pulsar de amor dentro do peito.
A lua branca pontuando a noite,
peixe prateado pelas águas claras,
cheiro perfumado de baunilha
e no céu , após a chuva, um arco- íris...
Beijo primeiro, amor pela primeira vez,
o filho que cresce na barriga,
cuidados de uma mãe por sua filha
e as brincadeiras dos avós junto aos seus netos.
Saudades que dói dentro do peito!...
Alinhavando histórias,
maturando frutos,
o tempo passa
pela memória,
e pelos enredos...
De tudo que fica,
só permanece
qual jóia rara,
a Vida com seus segredos...

Guaraciaba Perides (2010)

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Boneca de biscuit (histórias de vida que ouvi contar)

Sobre a cama uma boneca de biscuit
face rosada e roupa de babados
velha relíquia de um tempo que se foi...
Ah! os loucos anos vinte!
Quanta alegria e sedas perfumadas,
quantos amores, sonhos, desvarios,
quantas loucuras em noites de boemia!
Vinhos, ouros e diamantes,
trajes finos em bailes rodopiantes,
madrugadas de roletas em cassinos
que a roda da fortuna faz girar...
Vão-se os anéis, ficam os dedos
Vai-se a alegria, fica apenas medo
Vão-se os amores, ficam apenas sonhos,
de tempos tão amenos, momentos tão risonhos...
A fortuna se dissipa, resta um coração,
na pobre casa ainda há uma ilusão
e nos cabelos brancos de uma antiga dama
resta a lembrança da grandeza do passado
e como testemunha da verdade,
resta sobre a cama antiga
uma bela boneca de biscuit!

Guaraciaba Perides (2001)

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Inspiração

No vazio da forma, o conteúdo
Na sintaxe, o verbo
No peito, a alma se revela
Na alma, a paixão que não se acaba
Na memória, o perfume de uma flor...
No fogo, a labareda ardente
Na água, a corrente se inicia
Na luz, o alvo da vidente
No cristal, a rocha fantasia
No mar, a onda que não cansa
No som, a voz da melodia
Na lua o brilho florescente
Na estrela, a rota em que se guia
Na noite, a sombra que descansa
No sol, constrói-se um novo dia...
No vazio da forma , o conteúdo
Na sintaxe , o verbo.

Guaraciaba perides (2004)

domingo, 19 de setembro de 2010

Tecida em sonho

A rosa tecida em sonho
é uma rosa delicada
tem a textura da nuvem e
da névoa da madrugada.
Suas pétalas cintilam
pelo rosado da aurora,
banhadas pelos cristais
do orvalho que ainda cai,
refletindo a luz prismada
do sol, que já se levanta,
tão tenro como um menino
que nascituro para a vida
de um dia que amanhece,
recebe como presente
a rosa tecida em sonho
do sonho que recomeça...

Guaraciaba Perides (2007)

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Entre Parênteses

Entre parênteses, nem aberto nem fechado
faz parte, como que forçado,
sem querer, como descuidado,
explica, meio ressabiado,
vestido, como visita,
fazendo sala ao convidado...
Sem medida, de seu jeito,
fica expressivo na frase,
como "alter ego" do sujeito,
repetindo o que se intui,
de outro modo, o mesmo feito...
Função de mais nobre elite,
de compreensão apurada,
permanece na clausura
de um pensamento fechado.
E assim, entre parênteses,
leva a vida em seu momento,
fazendo parte de tudo,
coadjuvante da cena,
sem ter no palco, entretanto,
a importância do sujeito,
a atitude do verbo,
a beleza adjetiva que qualifica o objeto...
É o filósofo que explica
a moral subjacente,
de função condescendente
mas, que alheio e distraído,
não se envolve, nem se aflige,
na vida apenas pontua
e agrega na substância,
o real entre parênteses...

Guaraciaba Perides (2003)

terça-feira, 14 de setembro de 2010

A Musa que te inspira ou Manifesto feminista

Musas de antigas liras
Musas modernas de açoites
Musas mimosas art-nouveau
Musas que saem à noite.
Ninfas de águas puras,
Louras que fazem loucuras
sereias de longos cabelos
Meninas de moda retrô;
Candelárias circunspectas
funcionárias burocratas
Meninas de fino talhe;
Operárias, que na luta,
buscam o pão de cada dia...
São graças renascentistas
São madonas altaneiras
São musas que de mistério,
fazem sorrisos de "mona".
São as musas recatadas
ou as blondes espantadas
das telas do cinemascópio;
São as magras da alta moda,
as simples ou radicais,
e como diria Vinicius, "aquele que é de Morais",
"as ácidas ou as básicas".
São as louras ou morenas,
as negras, orientais...
Qual a musa que te inspira?
a musa que é de família
Aquela que sonha acordada
ou que na praça de guerra
faz a luta acontecer...
A musa que olha o mundo
pelas lentes do homem ao lado,
A musa que diz verdades
ou a que sabe fingir...
A musa que permanece
como um mistério profundo,
ou a que se revela
sem recato, por inteiro.
As musas, dos deuses parentes,
ou musas, simples mortais.
As que fecundam a terra
e se desmancham no parto,
as que lutam, as que sofrem,
as que com garra procriam...
As musas da natureza,
ou musas, luzes do mundo...
Qual a musa que te inspira?

Guaraciaba Perides ( 2007)

domingo, 12 de setembro de 2010

Todos os meus Anjos

Todos os meus Anjos
moram comigo.
Os meus Anjos são crianças
São alegres, distraídas
e pulam e dançam
e saltam e riem,
dão cambalhotas no ar.
Rolam pelas encostas,
fazem castelos de areia
buscam conchinhas no mar...
Lambuzam-se de balinhas,
fazem manha, fazem festa,
são doidos por um carinho,
seus dedinhos cor de rosa
apontam estrelas no céu
para com elas brincar...
Ficam tristes se eu choro,
cantam cantigas antigas,
daquelas de outras esferas
que encantam e fazem contente
aquela que quer chorar.
E depois, apaziguados,
oram a Deus uma prece,
aninham-se em meu peito
e calmamente adormecem...

Guaraciaba Perides (2007)

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Destino (Cecília Meirelles)

Pastora de nuvens fui posta à serviço
Por uma campina tão desamparada
Que não principia nem também termina
e onde nunca é noite e nunca é madrugada
(Pastores da terra vós tendes sossego
Que olhais para o sol e encontrais direção
Sabeis quando é tarde,sabeis quando é cedo,
Eu ,não)

Pastora de nuvens,por muito que espere,
não há quem me explique meu vário rebanho
Perdido atrás dele, na planície aérea
Não sei se o conduzo, não sei se o acompanho.
(Pastores da terra, que saltais abismos,
nunca entendereis a minha condição.
Pensais que há firmezas,pensai que há limites.
Eu,não)

Pastora de nuvens, cada luz colore
Meu canto e meu gado de tintas diversas
Por todos os lados o vento revolve
os velos instáveis das reses dispersas.
(Pastores da terra de certeiros olhos
como é tão serena vossa ocupação!
Tendes sempre o indício da sombra que foge
Eu, não)

Pastora de nuvens, não paro nem durmo
neste móvel prado, sem noite e sem dia,
estrelas e luas que jorram, deslumbram
o gado inconstante que se me extravia.
(Pastores da terra, debaixo das folhas
que entornam frescura num plácido chão
Sabeis onde pousam ternuras e sonos
Eu, não)

Pastora de nuvens, esqueceu-me o rosto
do dono das reses, do dono do prado
E às vezes parece que dizem meu nome
que me andam seguindo, não sei por que lado.
(Pastores da terra, que vedes pessoas,
sem serem apenas de imaginação
Podeis encontrar-vos, falar tanta coisa!
Eu, não)

Pastora de nuvens, com a face deserta
Sigo atrás de formas com feitios falsos,
queimando vigílias na planície eterna
que gira debaixo os meus pés descalços.
(Pastores da terra, tereis um salário
E andará por bailes vosso coração
Dormireis um dia como pedras suaves.
Eu, não)

Antologia Poética de Cecília Meirelles.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo
Outra parte é ninguém:
fundo sem fundo

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
Pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte
linguagem.

Traduzir uma parte na outra parte
Que é uma questão
de vida ou morte
será arte?

Poema de Ferreira Gullar

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

ESCRUTÍNIO FECHADO

Em meu coração, escrutínio fechado,
depositei os meus sonhos e mágoas,
ao mundo revelo, apenas o que quero,
e o que não quero, deixo estar guardado.
E a quem importa se ganhei ou perdi,
quem quer saber se aprendi ou esqueci...
No ouro das minhas lembranças,
os meus amores, só importam a mim.
Na mais valia deste meu viver,
faço o trabalho de fiar os dias
e da trama tecida deste meu destino,
o que restar de tudo, só eu vou saber.

Guaraciaba Perides ( 2010)

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Paroara - Chico Buarque

Chegamos um bocado de gente
Da mesma seara
O sol tava danado de quente
Queimou nossa cara
Comprei uma jaqueta de veludo
E não tava cara
Eu quis saber a graça da vidente
Era Theda Bara
Olho a olhoCara a cara

Corre-correBate-boca e bafafá
Pra ver o homem de brinco
E a mulher barbada
Troquei o meu cavalo por cinco
Burros de cangalha
Um cara apareceu falando gringo
Mas não tinha cara
Um outro diz que vinha do garimpo
Tinha nem sandália
Tá por fora

Paroara
Buginganga
Pau-de-arara
Catamos os bagulhos da gente
Nossas maravalhas
Joguei um balde d'água num crente
Que encheu a cara
Guardei minha jaqueta de veludo
Tava uma fornalha
O gringo andava todo saliente
Com a minha Theda Bara
Tá na hora

Paroara
Vam'embora
Pau-de-arara
Theda Bara
Pau-de-arara
Sayonara

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

USINA DE SONHOS

Na Usina de Sonhos
do lado direito do cérebro
há de tudo um pouco.
Um prego, uma ferradura,
uma bailarina.
Uma peça de motor, uma sandália de prata,
uma lira.
Uma janela colorida aberta para o nada,
um pedaço de céu feito de cartolina.
Uma onda que na areia bate,
uma estrela do mar, um cavalo marinho...
Amontoadas pelos cantos, redes de pescar em fios de ouro,
um barco com nome de mulher,
um coração pulsando , de cor "vermelho -rubro",
uma boca de batom num guardanapo.
letras de antigas canções pelas paredes
escorrendo em tintas florescentes,
muitas luzes de néon
recobrindo um chão como se fossem estrelas...
Um piano de cauda sôbre um assoalho liso
toca uma valsa antiga que já foi nova em outro tempo...
Cantores negros de fraques impolutos vão desfiando
sambas ou blues na passarela futurista que se expande
por uma eterna pauta musical...
Brotam lírios em panelas, abriu-se o caldeirão do sonho,
destravou-se o baú de antiguidades
de oníricas paisagens.
E no mais profundo
do lado direito do cérebro de quem ama,
a poesia é tudo
e o desfile da vida uma miragem...

Guaraciaba Perides ( abril de 2007)