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quinta-feira, 23 de março de 2017

O GATO NA JANELA

O gato era de louça
O menino ganhou numa quermesse
A mãe deixou-o na janela da cozinha
deitado, observando os afazeres
dos almoços e jantares.
O gato cor de rosa era brilhante
e possuía também negros bigodes,
semi cerrados olhos espiavam
plácidos, o recinto...
Dias e noites ...se passaram...anos.
O gato ali tudo assistia
tomava banho junto com as panelas e
sempre brilhava ao fim do dia.
O menino cresceu, tornou-se homem,
outras crianças vieram e se encantavam
ao ver o gatinho na janela,
ouviam atentos sua história
de ter sido prenda de quermesse.
Mas o tempo é implacável para todos...
o gato envelheceu, desbotou, perdeu a cor,
seus olhos não brilhavam, desapareceram
seus bigodes...só possuía a sombra do
seu viço...
Depois de longos anos na janela,
o gato finalmente se quebrou...
Ficou pr'a sempre plasmado na saudade
das crianças que por ele se encantaram.
Um gato de louça tão sutil, de cor de rosa,
desapareceu no espaço mas nunca  na memória...
Hoje ao olhar a janela sempre me lembro
do seu olhar tranquilo, de seu bigode negro,
da placidez tamanha, de sua amizade mansa...
"Um dia...um gato"

Guaraciaba Perides.


pintura de Aldemir Martins.. 1975
Museu de Arte de São Paulo




fantasia musical
Gatos cantando o Universo...






sábado, 11 de março de 2017

O BECO DA ESCOLA (um poema de CORA CORALINA)

Um corricho, de passagem,
um dos muitos  vasos comunicantes
onde circula a vida  humilde da cidade.
Um bequinho de brinquedo, miudinho.
Chamado no meu tempo de  menina
-  beco da  escola

Uma braça de largura, mal medida.
Cinquenta metros de comprido...avaliado
Bem alinhado .Direitinho.
Beco da escola...
Escola de velhos tempos.
Tempos de  velhas  mestras.
Mestra Lili, Mestra Silvina, Mestra Inhola.
Outras mais, esquecidas mestras de Goiás.

Mestra Lili...o seu perfil:
Miudinha, magrinha.
Boa sobretudo. Força moral.
Energia concentrada. Espírito forte.
O hábito de ensinar, ralhar, levantar a palmatória,
afeiçoara-lhe o conjunto
- enérgico, varonil.

A escola da Mestra Lili 
era mesmo naquela esquina
Casa velha- ainda hoje a casa é velha.
Janelas abertas para o beco.
Sala grande. A mesa da Mestra.
Bancos  compridos, sem encosto.
Mesa enorme dos  meninos escreverem
lições de escrita.
De  ruas distantes a gente ouvia,
quartas e sábados, cantada em alto coro
a velha tabuada.

O bequinho da escola
Lembra mestra Lili
Lembra  mestra Inhola.

Lembra mestra Silvina
Sá Mônica. Mestra Quina. Mestra Ciriáca.

Esquecidas  mestras de Goiás.
Elas todas - donzelas, 
sem as emoções da juventude.
Passavam a mocidade esquecidas de casamento,
atarefadas com crianças.
Ensinando o bê-a-bá às gerações.

O beco da escola é uma transição.
Um lapso urbanístico
entre a Vila Rica e a Rua do Carmo.
Tem janelas.
Uma casinha triste de degraus.
Velhos portões fechados, carcomidos.
Lixo pobre.
Aqui, ali, amparadas no muro,
umas aventureiras e interessantes flores de monturo.

Velhas mestras... velhas infâncias...
Reminiscências vagas...

O bequinho da escola brinca de esconder.
Corre da Vila Rica-espia a rua do Carmo.
É um dos mais singulares e autênticos  becos de Goiás.
Tem a marca indisfarçada dos séculos
e a pátina escura do Tempo.
Beco recomendado a quem busca o  Passado.
Recomendado- sobretudo-
aos poetas existencialistas,
pintores, a frei Nazareno.
Tem portões vestidos de velhice. Tem bueiro.
Tem muros encarquilhados,
rebuçadinhos de telhas.
São de velhas donas credenciadas
de velhas descendências
- guerreiros do  Paraguai.
Bem estreito e sujo
como compete a um beco  genuíno.
Esquecido e abandonado,
no destino resumido dos becos,
no desamar da gente da cidade.

Poetas e pintores
românticos, surrealistas, concretistas, cubistas,
eu vos conclamo.
Vindes todos cantar, rimar em versos,
bizarros coloridos,
os becos  da minha terra.
Ao meio dia desce sobre eles,
vertical,
um pincel de luz,
rabiscando de ouro seu lixo pobre,
criando rimas imprevistas nos seus monturos.

De noite...noite de quarto,
a cidade vazia se recolhe
num silêncio  avaro, severo,
Horas antigas do passado.
- Concentração.
Almas penadas doutro mundo.
Procissão das almas
vai saindo da porta fechada das igrejas.
Vem vindo pelas ruas.
Desaparecem pelas esquinas.

Responsam pelos becos.
altas viagens: assombração...
o diabo no corpo...
Lobisomem...

Simbolismo dos velhos avatares.

Cora Coralina (pseudônimo de Anna  Lins dos Guimarães  Bretas  -1889- 1985)
POEMAS  DOS  BECOS  DE GOIÁS  E   ESTÓRIAS   MAIS (GLOBAL   EDITORA) 1985



Uma doce memória de uma  memória mais antiga...Salve Cora Coralina!








sábado, 4 de março de 2017

MEMÓRIAS NA PASSARELA...

O   SAMBA   DE   VIDRO

O  samba se vidro
no pé da artista
O samba de vidro
No toque da  aurora...
O samba de vidro
no brilho da lua...
o samba de vidro
no samba de rua.
Na luz que cintila,
na água do asfalto
Requebra a morena
com seu salto alto...
No riso que brota
de fácil alegria
Se faz com a cuíca
seus  sons de harmonia.
No sonho do triste
que chora a saudade...
do beijo da   moça
de alma lavada.
O samba de vidro
Na  luz da aurora
No toque da lua
No pé da senhora...


Guraciaba Perides.

Velha Guarda da Portela canta com MARISA   MONTE



SIMONE COM  NEGUINHO  DA  BEIJA  FLOR....A Deusa   da Passarela

   SAMBA   TEMBÉM   É   POESIA...