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sábado, 5 de março de 2016

ODE AO GATO (Ode al gato - Pablo Neruda)

Os animais foram
imperfeitos,
comprido de rabo, tristes
de cabeça.
Pouco a pouco se foram
compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça, vôo.
O gato
só o gato,
apareceu completo e orgulhoso;
nasceu completamente terminado
caminha só e sabe o que quer.

O homem quer ser peixe e pássaro.
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha.
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser somente gato
e todo gato é gato
do bigode ao rabo,
do pressentimento  à ratazana viva,
da noite até os seus olhos de ouro.

Não há unidade
como ele,
não tem a lua nem a flor
tal contextura:
é uma coisa só
como o sol ou o topázio,
e a elástica linha em seu contorno
firme e sutil é como
a linha da proa de uma nave.
Seus olhos amarelos
deixaram uma só
ranhura
para jogar as moedas da noite.

Oh pequeno imperador sem pátria,
mínimo tigre de salão, nupcial
sultão do céu
das telhas eróticas,
o vento do amor
na intempérie reclamas
quando passas
e pousas quatro pés delicados
no solo,
cheirando,
desconfiando
de todo o terrestre
porque tudo
é imundo
para o imaculado pé do gato.

Oh fera independente
da casa, arrogante
vestígio da noite,
preguiçoso, ginástico
e alheio,
profundíssimo gato,
polícia secreta
dos quartos,
insígnia
de um desaparecido veludo,
certamente não há
enigma
na tua maneira,
talvez não sejas mistério,
todo mundo sabe de ti e pertences
ao habitante menos misterioso,
talvez todos acreditam,
todos se acreditem, donos,
proprietários, tios,
de gatos, companheiros,
colegas,
discípulos,ou amigos
de seu gato.

Eu não.
Eu não subscrevo.
eu não conheço o gato.
Tudo sei, a vida e seu arquipélago,
o mar e a cidade incalculável,
a botânica,
o gineceu com seus extravios,
e o por e o menos da matemática,
os funis vulcânicos do mundo,
a casca irreal do crocodilo,
a bondade ignorada do bombeiro,
o atavismo azul do sacerdote,
mas não posso decifrar um gato.
Minha razão resvalou em sua indiferença,
seus olhos  têm números de ouro.

Pablo Neruda ( Antologia Poética)  -tradução de Eliane  Zagury)

O Gato azul  de Aldemir Martins
 
 a música Negro Gato   na interpretação de Marisa Monte

Todos nós temos  em nossa memória ...um gato de infância que corrobora o poema de Neruda.

16 comentários:

  1. Bravo, Pablo Neruda!!! Eu não conhecia esse poema maravilhoso, no qual acabo de rememorar a altivez de todos os gatos que tive.
    Amei a gravura do bichano e os miados da Marisa Monte.
    Beleza, Guaraciaba!
    Paz Profunda!

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  2. Oi, Shirley...não é uma descrição perfeita? pelo menos foi assim que os conheci...eu tinha uma gatinha que apareceu em minha casa e foi ela que me adotou (rs) como sua amiga. Marisa Monte arrasou nos sons do negro gato. O gato azul é um ícone das gravuras de Aldemir Martins.. Um abraço, Paz profunda!

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  3. Parabéns ao Pablo Neruda amiga Guaraciaba!
    Uma inteligência rara na descrição mais que perfeita que ele fez.
    Bjs,obrigada pela visita e um ótimo domingo.
    Carmen Lúcia.

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    1. Oi, Carmen...legal que você gostou! sempre gostei muito dessa ODE.
      Um abraço...harmonia sempre!

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  4. Oi Guaraciaba, que beleza de descrição, digo que perfeita, pois eu já tive gato, e é assim mesmo.
    Boa semana, bem abençoada!
    Abraços,
    mariangela

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  5. Oi, Mariangela, é verdade...os gatos, pelo menos os de antigamente, eram amigos mas altivos, e muitas vezes solenemente nos ignoravam e quando queriam carinho, não pediam, exigiam...(rs)
    Um abraço

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  6. Olá Guaraciaba,

    Eu nunca tive um gato. Minha mãe não deixava os gatos se aproximarem de mim, pois eu era muito alérgica quando criança; aliás, ainda sou. Contudo, de tudo que já observei dos gatos, Neruda esteve perfeito em sua descrição. Não sabia que havia um 'Ode ao Gato'. O poema é fantástico e muito lindo.

    Uma bela partilha.

    Interessante "O Gato azul de Aldemir Martins".

    Você encontrou a música perfeita para a postagem.

    Feliz semana.

    Beijo.

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    1. Oi, Vera...quando eu era criança havia muitos gatos pelos telhados...eram livres e cada um tinha sua casa, mas ficavam pelo muros. Até que chegou em minha casa uma gata magrelinha de quatro cores e se instalou...minha mãe espantava para ela ir embora, mas ela literalmente se instalou e era tão bonitinha com olhos tão grandes que acabou ficando e minha mãe deu a ela o nome de Inocência. Eu era já moça e ela me adotou e quando a casa se aquietava ela vinha de mansinho dormir nas minhas pernas.
      Aldemir Martins fez uma linda coleção de gatos...veja no google imagens de Aldemir Martins ...é uma coleção muito bonita. E Marisa Monte uma gata.
      Um abraço

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  7. Preciosa Poesía de Neruda sobre estos maravillosos y enigmáticos animalitos.
    Son, como dice el texto, pequeños emperadores sin patria.
    Como decía Winston Churchill:
    "Los perros nos ven como dioses, los caballos como a sus iguales pero los gatos nos miran como si fuéramos sus súbditos."
    Si quieres escribir sobre seres humanos, ten un gato en casa.
    Precioso Post y el video me ha encantado.
    Abraços e Beijos.

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    1. Oi, Pedro Luis...acho esta ode uma delícia , tão precisa e verdadeira.
      Churchill percebeu perfeitamente a relação dos animais citados com o homem... já li que os gatos têm um ar de superioridade e fleugma que os aproximam dos intelectuais.Como disse Neruda nós não o conhecemos, "seus olhos têm números de ouro"
      Um abraço

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  8. Os gatos me intrigam, confesso ter um pouco de medo e receio te-los muito por perto. Mas admiro a beleza, a enigmática e sofisticada personalidade deles. Realmente os olhos dos gatos são o que mais me encantam neles. Um bj.amiga.

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  9. oi, Lourdinha...é verdade que eles são indecifráveis e por isso mesmo causam um certo receio...mas é só pose (rs)
    Um abraço

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  10. Adorei reler essa beleza de poema.
    Beijos e muita Paz, Guaraciaba!

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  11. Oi, Shirley, obrigada por gostar...
    um abraço Paz profunda!

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