Amigos

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Astrologia (Mário Quintana)

Minha estrela não é a de Belém:
A que parada, aguarda o peregrino.
Sem importar-se com qualquer destino
A minha estrela vai seguindo além...

-Meu Deus, o que é que esse menino tem?-
Já suspeitavam desde eu pequenino.
O que eu tenho? É uma estrela em desatino...
E nos desentendemos muito bem!

E quando tudo parecia a esmo
E nesses  descaminhos me perdia
Encontrei-me muitas vezes a mim mesmo...

Eu temo é uma traição do instinto
Que me liberte, por acaso, um dia
Deste velho e encantado  Labirinto.


Mário Quintana (in  Rua dos Cataventos e outros Poemas)

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Amor- Perfeito

Intenso e delicado o amor-perfeito
intenso pelas bordas da paixão
no centro de ouro delicado
o relicário que se chama coração.
Humilde, não se revela à toda gente
apenas a quem lhe mostra atenção
de equilíbrio e delicada graça
resumo da mais pura emoção.
O amor -perfeito brota livre, mas contido
filigrama de elegante jóia
simples como são as coisas puras.
Intenso no saber do que se quer
do delicado gesto à extrema glória
de um bem querer pra sempre na memória.


Guaraciaba Perides (2004)

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Soneto 81 ( Camões)

Amor é um fogo que arde sem se ver,
é uma ferida que dói, e não se sente
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é um nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si  é o mesmo Amor?

Luis Vaz de Camões

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Tudo como dantes...

"Tudo como dantes no quartel de Abrantes"
No carnaval de Veneza
Agora, se define o tudo
Agora, se escancara o nada.
A chave do segredo é bem guardada...
N a sociedade secreta do mistério
Vamos colocar leões na praça
Vamos fazer o circo que eles querem...
Representar bandeiras, escondendo o jogo,
fazer caretas, simular trapaças...
Já se colocam as peças deste jogo
As brancas contra as pretas, já se sabe,
Já se pontuam os bispos ao seu controle.
Avançam as negras simulando ataques
Recuam as brancas, postas em cuidado,
cruzando sinuosas seus cavalos.
Reis e Rainhas em postos avançados
vão no controle dos peões plebeus...
No jogo em que se instala a farsa
O conselho dos Arcanos marca o tempo
traçando planos da real defesa.
E na questão crucial do jogo do Poder
cruzam-se as linhas, projetando dardos,
encenam peças de tragédias gregas...
No desvario das paixões que calam
escondem-se fantasias do grotesco.
E o que vier define
a glória deste jogo inglório!
"Tudo como dantes no quartel de  Abrantes"


Guaraciaba Perides

quarta-feira, 11 de maio de 2011

História da Música Popular Brasileira - A Era do Rádio - Noel Rosa

Noel Rosa  ( l910 - 1937) foi um dos mais importantes sambistas da primeira metade do século XX.
segundo Nei lopes, pesquisador  ´da história do Samba foram nas três primeiras décado do século XX
que  formatou-se o samba urbano, oriundo dos morros e das vilas da cidade do Rio de Janeiro.
Através do interesse da indústria fonográfica pelas novas composições divulgaram-se as diversas modalidades do samba e começaram a se interessar por elas jovens brancos da classe média, entre eles,
Noel Rosa que representa um elo entre a música dos morros e a do asfalto.a partir de 1929, estreita seu contato com sambistas dos morros do  Salgueiro, Mangueira, Serrinha e outros, todos logo requisitados
como parceiros. com o sucesso de "Com que roupa" deslancha uma carreira de sucesso, expressando-se como grande compositor sempre reverente às formas tradicionais, fazendo parcerias com grandes sambistas, como por exemplo Ismael Silva e Heitor dos  Prazeres. Noel  Rosa ficou conhecido como o"Poeta da Vila" ( nascido em Vila Isabel Rio de Janeiro)  morreu em 1937 deixando cerca  de duzentas e cinquenta composições.
Em 2010 comemorou- se o centenário de seu nascimento.
Abaixo postei duas de suas mais famosas composições: Conversa de Botequim    interpretada por Chico
Buarque , na  Confeitaria Colombo, Rio de Janeiro e o samba- canção denominado " Três Apitos" numa releitura  musical e gráfica de Sonora Madeira, um exercício artístico de interpretação modernizada da canção

História da Música Popular Brasileira ( A Era do Rádio) -Noel Rosa

domingo, 8 de maio de 2011

As Três Marias ( poesia)*

Olho para o céu
Em noite clara e estrelada
Lá como jóias cintilam
As Três Marias.
Qual a origem  desse nome?
Três estrelas tão brilhantes
alinhadas como em fio...
Não sei a origem do nome
Por que Marias tão belas?
Mas no meu coração eu sinto
A poesia que vejo nelas.
Passo então a imaginar
Ser homenagem singela
Do povo simples que vê
Nas três estrelas brilhantes
As três  Marias que fadam
A trajetória da vida
de todos nós viajantes...
A primeira nos traz à vida como origem
Mãe - Maria
A segunda nos acolhe com amor de
Avó - Maria
E a  terceira nos protege e nos ampara,
Mãe de Deus e para sempre  -Maria
E por todo o tempo da Vida
Sempre que bate a saudade
das nossas belas Marias,
basta olharmos para o alto
para o centro  de Orion
e de lá nossas Marias nos enviam
com o seu brilho de estrelas
uma mensagem de afeto
um pouco de sua luz...

*Três marias: três estrelas que formam o Cinturão
da Constelação de Orion- O  Caçador.
Mintaka, Alnilan e Alnitaka são o nome das estrelas e
 estão no centro da constelação que tem a forma  de um quadrilátero

Guaraciaba Perides  (2010)

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Estória da Aparelho azul-Pombinho (Cora Coralina)

Minha bisavó- Que  Deus a tenha em bom lugar-
inspirada no passado
sempre tinha o que contar.
Velhas tradições.Casos de assombração.
Costumes antigos.Usanças de outros tempos.
Cenas da escravidão.
Cronologia superada
onde havia banguês.
Mucamas e cadeirinhas.
Rodas e teares.Ouro em profusão,
posto a secar em couro de boi.
Crioulinho vigiando de vara na mão
pra galinha não ciscar.
Romanceiro.Estórias avoengas...
Por sinal que uma delas embalou minha infãncia.  

era a estória de um aparelho de jantar
que tinha sido encomendado de Goiás
através de uma rede de correspondentes
como era norma naquele tempo.

Encomenda levada numa carta
em nobre estilo comercial.
Bem notada. Fechada com obreia preta.

Carta que foi entregue de mão própria
ao correspondente na Corte
que tinha morada e loja de ferragem
na Rua do Sabão.
O considerado lusitano- metódico e pontual-
o passou para Lisboa.
Lisboa passou para Luanda.
Luanda no usual
passou para Macau.
Macau se entendeu com mercadores chineses.

E um fabricante- louceiro,
artesão de Cantão
laborou o prodígio (no dizer de mina bisavó)

Um aparelho de jantar - 92 peças.
Enorme.Pesado, lendário.
Pintado, estoriado, versejado,
de loiça azul- pombinho.
Encomenda de um senhor cônego
de Goiás
para o casamento de seu sobrinho e afilhado
com uma filha de minha abisavó.

O cônego- tio e padrinho
pelo visto, relatado,
fazia gosto naquele matrimônio.
E o aparelho era para as bodas contratadas.
Um carro de boi -
15 juntas, 30 bois -
bem fornido e rejuntado
para viagem longa,
partiu de Goiás, no século passado
do meado, pouco mais.
Levava seis escravos escolhidos
e um feitor de confiança.
Mantimentos para a viagem.
E mais, oitavas de ouro,
disfarçadas no fundo de um berrante,
para os imprevistos da delonga.

E o antigo carro
por ano e meio quase
rodou, sulcou, cantou e levantou poeira
rechinando
por caminhos e atalhos,
vilas e cidades, campos, sarobais.
atravessou rios em balsas.
vadeou lameiros, tremedais.
Varou Goiás - fim de mundo.
Cortou o sertão de Minas.
O planalto de São Paulo.

Foi receber o aparelho e mais sedas e xailes -da- índia
em Caçapavponta dos trilhos da Dão Pedro segundo-
ali por volta de 1860 e tantos.
Durou essa viagem, ir e voltar,
dezesseis meses e vinte e dois dias.
- As bodas em suspenso.

Enquanto se esperava, escravas de dentro
fiavam na roda  e urdiam no tear.
Mucamas compenetradas, mestreadas por rica-dona,
sentadas nas esteiras, nos estrados de costura,
desfiavam, bordavam, crivavam,
repolegavam
o bragal de minha avó.
Sinhazinha de catorze anos- fermosura.
Prendada. Faceira.
Muito certa na Doutrina.
Entendida do governo de uma casa
e analfabeta.
Diziam os antigos educadores:
"- Mulher saber ler e escrever não é virtude." 

Afinal, muito esperado,
chegou a Goiás, sem novidades ou peça quebrada,
o aparelho encomendado
através de uma rede de correspondesntes.
Embarcado num veleiro,no porto de  macau.

As bodas marcadas
se fizeram com aparato.
Fartas comezainas.
Vinho do Espinho - Portugal-
da parte do correspondente..
Aparelhos de loiça da China.
Faqueiros e salvas de prata
Compoteiras e copos de cristal.

Na sobremesa minha bisavó exultava...
Figurava uma pinha e eludição.

Toda ela de cartuchos de papel verde calandrado,
cheios de confeitos de ouro em filigrana.
Mimo aos convidados graduados:
Governador da Província,
Cônegos, Monsenhores, Padres-Mestres,
Capitão -Mor.
Brigadeiros, Comendadores.
Juízes e Provedores.
Muita pompa e toda parentela.
Por amor e grandeza desse fasto
- casamento da Sinhazinha Honória
com o sinhô- moço Joaquim Luís-
dois velhos escravos, já pintando,
receberam chorando
suas cartas de alforria.

Ficou mais, assentado e prometido
em palavra de rei testemunhado,
que o crioulinho
que viesse ao mundo
com o primogênito do casal
seria forro sem tardança na pia batismal.
E se criaria em regalia
com o sinhorzinho,
nato fosse ele, em hora e dia.

Um rebento do casl veio ao mundo
no fim de nve meses.
e na senzala do quintal
nascia de uma escrava
um crioulinho.
Conforme o prometido - liberrtado
alforriado
na pia batismal.

(Na pia batismal, er, naquele tempo,
forma  legal e usual de se alforriar um escravo).
Toda essa  estória
por via de um aparelho de loiça da China, destinado a Goiás
Laborado de um oleiro, louceiro de Cantão.
Embarcado num veleiro
no porto de Macau.
Cartas com obreias.
Correspondentes antigos..
Cartuchos de confeitos de ouro.
Alforrias de escravos.
Bodas de meu avô.
Bragal da minha avó.
Roda e tear, marafundas e repolegos.
Coisas do passado...
E - dizia  minha bisavó- tudo se deu como o contado. 


Cora Coralina (in Poemas dos Becos de Goiás e Estórias mais)  - Global Editora - Edição de 1985

terça-feira, 3 de maio de 2011

Dificuldade de Governar (Brecht)

Todos os dias os ministros dizem ao povo
como é difícil governar.
Sem os ministros
o trigo cresceria para baixo em vez
de crescer para cima.
Nem um pedaço de carvão saíria das minas
se o chanceler não fosse tão inteligente.
Sem o ministro da Propaganda
mais nenhuma mulher poderia ficar grávida.

É também difícil, ao que nos é dito
dirigir uma fábrica.
Sem o patrão
as paredes cairiam e as máquinas
encher-se-iam de ferrugem.

se governar fosse fácil
não haveria necessidade de espíritos
tão esclarecidos como o do Führer.
Se o operário soubesse usar a sua máquina
e se o camponês soubesse distinguir um campo
de uma forma de tortas
não haveria necessidade
de patrões nem de proprietários.
É só porque toda gente é tão estúpida
É que há necessidade de alguns tão inteligentes.

Ou será que
Governar é assim tão difícil
porque a exploração e a mentira
são coisas que custam a aprender?

Bertold Brecht