Um bonde atrelado a uma linha de ferro
Levando a um destino e a uma paisagem.
Sobe ladeira, desce ladeira,
toca sineta, até que afinal,
descansa na Estação Saudade.
Gente que passa, que sobe, que desce,
que são pensamentos que vão e que vem...
De namoricos de senhoritas,
são velhas damas, senhores calvos...
Vai o bondinho cumprindo à risca
a trajetória do seu destino...vai de mansinho.
- Pára no ponto, Sr. Motorneiro
- Não faz gracejo, Sr. cobrador
Porque na Vida tudo o que passa
é Passageiro e
A Saudade é o ponto final.
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RUA DA MEMÓRIA
Na Rua da Memória
cruzam-se largos tempos
de quaresmeiras floridas.
E ladeiras infindáveis
que fazem parte dessa rua
de nome Saudade...
Portas e janelas estão abertas
e não dispõe de grades que as ocultam,
nem sofrem o medo do obscuro...
São conversas mansas de uma história antiga,
São cantigas de roda, namoros de portão,
E a Estrela D'Alva lá no firmamento
expõe seu brilho como uma promessa...
Houve um tempo assim
Fique em silêncio e ouça
O passar do tempo na rua da Memória
entrelaçando sonho e realidade,
que se desfazem em brumas
na Rua da Saudade.
Figuras do vento
Nos ares divino
São finos cabelos
Na luz. Movimento
De puras miragens,
Imagens, modelos
De formas vazia;
São asas difusas,
São voos imensos,
Perdidos no espaço
Por noites e dias.
São ventos profanos,
Rompendo, mugindo
Lavrando no mar;
São ventos lavrando
São bois de charrua,
São gênios que ceifam
Searas na lua
E animam sementes
Que irão germinar.
São ventos feridos
São ventos antigos,
Saudades de amigos,
Lembranças, rumores;
São ventos irados
Batendo em meu rosto,
De pele gelada
Marchando em rajada
Rufando tambores.
São ventos, são vozes
São queixas veladas
Nos vales de rosa.
Nos lagos de aurora
Nos golfos de mel;
Às vezes soturnas
Nas furnas rugindo
Encerram mistérios
Ungidas, sagradas
De sombra e de fel
No entanto que importa
Que o vento que passa
Segredos me faça
De histórias bem feias
De fadas somente
Contadas a mim!
Eu quero é dormir
No frio das águas
No braço das algas
No amor das sereias
Dos mares sem fim.
Joaquim Cardozo ( POEMAS...Edit,AGIR, Rio de janeiro 1947)
SOLOMBRA
Eu sou essa pessoa a quem o vento chama
a que não se recusa a esse final convite,
em máquinas de adeus, sem tentação de volta.
Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza:
Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:
já de horizontes libertada, mas sozinha.
Se a beleza sonhada é maior que a vivente,
dizei-me; não quereis ou não sabeis ser sonho?
Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.
Pelos mundos do vento, em meus cílios guardadas
vão as medidas que separam os abraços.
Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:
"Agora és livre, se ainda recordas".
Cecília Meireles ( Solombra, Livros de Portugal, Rio de Janeiro, 1963)
Foi no tempo dos "Afonsinhos"**
Como diria Vovó
Numa tarde de sol quente
Debaixo de uma mangueira
à sombra que se fazia
que eu sonhei com você...
Você no sonho sorria,
sorria com olhos e dentes,
trazendo um coração ardente
que de fogo consumia
Muito amor de fazer dó...
E eu da vida contente
falei só de brincadeira
que queria o sol e a lua
e um par de asas ligeiras
para conseguir voar...
Você me olhou firmemente
como se me quisesse dar
tudo aquilo que eu pedia...
Mas,como nem tudo é ´possível,
disse-me apenas sorrindo:
-Feche os olhos ,pequena,
e faça um gesto, menina,
e assim, comme -ci, comme -ça
Vamos sair pelo mundo
E neste sonho amar...
Guaraciaba Perides
* comme -ci, comme -ça.. em francês, assim , assim...uma das traduções encontradas entre outras.
** Tempo dos Afonsinhos:expressão antiga que significa em tempos remotos.
Até Pensei...música de Chico Buarque:
E assim...assim....comme-ci, comme -ça A valsinha de Chico Buarque.