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sexta-feira, 28 de setembro de 2018

O MENINO QUE SE PERDEU NA FESTA (poema de Murilo Araujo)

Procurei-te, irmãzinha, em  toda  parte
pelo  palácio de  festim  do  mundo  por  onde andei

Mas nossas  mãos  não  se tocaram...
Como  estou  trêmulo
com o  pensamento  de  que  não te  encontrarei!

E à  meia-noite
quando o Tempo
vier   apagando sem  palavras  os  candelabros...
desorientado  que  farei?

vendo  a  lua lívida
manchar  no  muro as  sombras lúgubres  das  árvores,
nos pátios  longos,  ao noturno  das  estrelas,
só por entre os  soluços dos  repuxos sonâmbulos
aonde  irei?

Sem te  achar  serei  um  menino  transviado,
perdido  na extensão  de  uma sala  vazia,
que  olha  as  molduras de  ouro e os  tapetes  vermelhos
e  se  inquieta  e  se  assombra...

E  errarei  aterrado
vendo  chorar  comigo  errante  nos  espelhos,
apenas  minha  sombra

Murilo  Araujo  ( poeta modernista)   
In Antologia  dos  Poetas  Modernistas vol 1 -  organizada  por Manuel Bandeira





sexta-feira, 14 de setembro de 2018

CÂNTICO de Vinicius de Moraes

Não, tu  não  és  um  sonho, és a  existência
Tens  carne, tens fadiga e tens  pudor
no calmo  peito teu. Tu  és a estrela
sem  nome, és  a morada,  és a cantiga
Do amor, és  luz, és lírio,  namorada!
Tu  és todo  o  esplendor,  o  último claustro
Da  elegia  sem fim, anjo!  mendiga
Do  triste  verso meu.Ah, fosses nunca
Minha, fosses a idéia,  o sentimento
Em  mim, fosses  a  aurora, o céu  da  aurora
Ausente,  amiga,  eu não te  perderia!
Amada!onde  te deixas,  onde  vagas
Entre as  vagas  flores?  e por  que  dormes
Entre  os vagos  rumores do mar? Tu
Primeira, última,  trágica, esquecida
De mim! És linda, és  alta! és  sorridente
És  como  o  verde  do  trigal  maduro
Teus olhos  têm  a cor  do  firmamento
Céu  castanho  da  tarde -  são  teus  olhos !
Teu  passo  arrasta  a doce  poesia
Do  amor!  prende o  poema  em forma  e cor
No espaço;  para o  astro  do  poente
És  o levante;  és  o  Sol!eu sou  o  gira
O  gira,  o girassol .  És a  soberba
Também,  a jovem  rosa  purpurina
És  rápida também,  como  a  andorinha!
Doçura! lisa  e  murmurante... a água
Que  corre  no  chão  morno  da  montanha
És tu;  tens  muitas  emoções;o pássaro
Do trópico inventou teu  meigo  nome
Duas  vezes,  de  súbito encantado!
Dona do  meu  amor!  sede constante
Do  meu  corpo  de  homem! melodia
Da minha  poesia  extraordinária!
Por  que  me arrastas?  por  que  me  fascinas?
Por que me  ensinas  a morrer? teu  sonho
Me leva  o  verso  à  sombra e  à  claridade.
Sou teu irmão, és  minha  irmã;  padeço
De ti,  sou  teu  cantor  humilde  e  terno
Teus  silêncio, teu trêmulo  sossego
Triste, onde  se arrastam  nostalgias
Melancólicas, ah,  tão melancólicas...
Amiga,  entra  de súbito,  pergunta
Por  mim, se  eu continuo  a  amar-te; ri
Esse  riso  que é tosse  de  ternura
Carrega-me  em  teu  seio, louca! sinto
A infância  em  teu amor! cresçamos juntos
Como  se fora  agora, e  sempre; demos
Nomes graves às coisas impossíveis
Recriemos  a mágica  do sonho
Lânguida! ah,  que o destino  nada  pode
Contra esse teu  langor;  és o penúltimo
Lirismo!  encosta a tua face  fresca
Sobre o   meu peito nu, ouves?  é  cedo
Quanto mais tarde for,  mais cedo! a calma
É  o último  suspiro  da poesia
O mar é nosso,  a rosa  tem  seu nome
E recende mais  pura ao seu chamado.
Julieta!  Carlota! Beatriz!
Oh, deixa-me  brincar,  que te amo tanto
Que  se não  brinco , choro,  e desse  pranto
Desse pranto  sem  dor  que é o único  amigo
Das horas más em  que não  estás  comigo.


Vinicius  de  Moraes


Uma poesia de amor  e   uma canção  também de amor....um homem   e uma   mulher...
e na visão do pintor o mesmo sentimento.



Marc  Chagall


Vamos  falar, cantar  e sentir o amor!

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

O porto e a ponte

O porto e a ponte 

O porto é o lugar onde lançamos sonhos
que desde sempre existem.
Para além do oceano, 
para o lado de lá que não vemos, e que sabemos
que para lá do mar
existe o início e o fim, 
que afinal é a mesma coisa ...
No final do quadrante
na foz da raiz 
onde existe o mistério e descobre-se a luz. 
Lugar de chegada, 
lugar de partida, 
e que nas calmarias traz belezas do céu, 
e que nas tempestades traz o medo inclemente 
em que tudo o que temos é semente do ser.
Para além do horizonte encontra-se o ouro, 
fazeres estranhos, saberes sutis ...
e atrás desse sonho içamos as velas, 
entregamos ao vento, 
o destino dos rumos 
e cantando ao futuro aventuras fantásticas 
de monstros medonhos 
que ousavam cortar a coragem dos fortes.
Sim, o porto de partida para uns, 
ponto de chegada para outros tantos, 
o quanto que se ganha, 
o que se perde e que se barganha. 
Sonhos, pesadelos ou realidade, 
assombram o homem em sua história. 
No porto encontramos riquezas absolutas, 
mistérios inauditos, insólitos saberes que se multiplicam
que se avalizam e se transformam
em sempre mais e nunca menos. 
E cada qual com seu sonho bem disposto, 
aprende e se transforma um pouco mais. 
São saberes navegantes
são rios caudalosos
são pontes que se lançam em busca de outros bens.
São sonhares 
são saberes 
são destinos, que na vida se resolvem e
 se transforam na espiral que nunca cessa de crescer. 

Perides 
(set. de 2018) 





Isabel Perides