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domingo, 22 de setembro de 2013

O. ELEFANTE (Carlos Drummond de Andrade) e música RODOPIO (Luís Tatit)


Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos móveis
talvez  lhe  dê apoio.
E o encho de algodão
de paina, de doçura,
à cola vai fixar
suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
é a parte mais feliz
de sua arquitetura.
Mas há também as presas
dessa matéria pura
que não sei figurar
Tão alva essa riqueza
a espojar-se nos circos
sem perda ou corrupção.
E há por fim os olhos,
onde se deposita
a parte do elefante
mais fluída e permanente,
alheia a toda fraude.

Eis o meu pobre elefante
pronto para sair
à procura de amigos
num mundo enfastiado
que já não crê nos bichos
e duvida das coisas.
Ei-lo, massa imponente
e frágil, que se abana
e move lentamente
a pele costurada
onde há flores de pano
e nuvens, alusões
a um mundo mais poético
onde o amor reagrupa
as formas naturais.

Vai o meu elefante
pela rua povoada,

mas não querem ver
nem mesmo para rir
da cauda que ameaça
deixá-lo ir sozinho.
É todo graça, embora
as pernas não ajudem
e seu ventre balofo
se arrisque a desabar
ao mais leve empurrão.
mostra com elegância
sua mínima vida,
e não há na cidade
alma que se disponha
a recolher em si
desse corpo sensível
a fugitiva imagem,
o passo desastrado
mas faminto e tocante.

Mas faminto de seres
e situações patéticas,
de encontros ao luar
no mais profundo oceano,
sob a raíz das árvores
ou no seio das conchas,
de luzes que não cegam
e brilham através
dos troncos mais espessos.
Esse passo que vai
sem esmagar as plantas
no campo de batalha,
à procura de sítios,
segredos, episódios
não contados em livro,
de que apenas o vento,
as folhas, a formiga
reconhecem o talhe,
mas que os homens ignoram,
pois só ousam mostrar-se
sob a paz das cortinas
à pálpebra cerrada.

E já tarde da noite
volta meu elefante,
mas volta fatigado,
as patas vacilantes
se desmancham no pó.
Ele não encontrou
o de que carecia,
o de que carecemos
eu e meu elefante,
em que amo disfarçar-me.
Exausto de pesquisa,
caiu-lhe o vasto engenho
como simples papel.
A cola se dissolve
e todo o seu conteúdo
de perdão, de carícia,
de pluma, de algodão,
jorra sobre o tapete,
qual mito desmontado
Amanhã recomeço.


 
 
 
 
 
 
 
in ANTOLOGIA POÉTICA   de CARLOS DRUMMOND  DE ANDRADE
Música   RODOPIO  de Luís Tatit  cantando com Ná Ozzetti

20 comentários:

  1. Esse elefante foi feito de madeira, de nuvem, de paina, de doçura, nem era de verdade, mas, fiquei com pena dele, Guaraciaba... Contagiante a música, gostei. Beijão, menina!

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    1. Oi, Shirley...a doçura do elefante na alma de Drummond...a tentativa tímida de amar e ser amado.Este poema me comove principalmente pela frase final:Amanhã recomeço.
      Um abraço

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  2. Amei o texto poético, mas fiquei também com pena do elefante.Acho que muitas pessoas se sentem assim.
    Boa seleção musical.
    Abraços.Sandra

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    1. É verdade...acho que todos nós somos um pouquinho como o elefante de Drummond...em nossas necessidades de afeto e amor.Luís Tatit possuí um repertório musical bem interessante e de muita originalidade, com uma letra inteligente que vale a pena conhecer.

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  3. Coisa triste o mundo não perceber elefantes de papel e algodão...nem as verdadeiras e importantes coisas do coração.
    Um grande abraço, querida Guaraciaba! Feliz semana.


    ๑۩۞۩๑ Bíndi & Ghost ๑۩۞۩๑

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  4. É verdade...passamos como elefantes metafóricos pela vida como elefantes numa loja de cristais, sem perceber a fragilidade dos sentimentos mais caros.
    Um abraço

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  5. Ola querida amiga,lindíssimo poema de Drummond,mas que pena do elefantinho.........A musica ,maravilhosa......Que bela postagem.... Quero agradecer teu comentário ,como sempre com muito carinho.Tenhas uma excelente semana e aqui fica meu enorme abraço.SU

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  6. Obrigada Suzane...realmente o elefante do Drummond possuí uma doce alma cheia de afeto, mas no rodopio ele faz umas gracinhas (rs) Achei que de certa forma a poesia e a música fizeram um conjunto harmonioso..
    Um abraço e uma semana de muitas flores e cantos.

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  7. Passando para te desejar uma ótima terça!!
    Abraços.Sandra

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  8. Passando para te desejar uma ótima terça!!
    Abraços.Sandra

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    1. Obrigada pela gentileza...uma feliz e produtiva semana.
      Um abraço

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  9. Quanta leveza no peso, quanta suavidade no bruto,
    “Passar sem esmagar as plantas no campo de batalha”
    “O mais faminto dos seres” .
    O disfarce do poeta à “procura
    de amigos num mundo enfastiado,que já não crê nos bichos
    “ e duvida das coisas”.
    Muito lindo. Quanto desse elefante há em cada um de nós.
    Bjs.

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    1. É isso mesmo Lourdinha...e Drummond descreveu lindamente a sensação da necessidade de um sentimento mais profundo de amor e amizade entre as pessoas.
      Um abraço

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  10. Olá Guaraciaba!! Passando para te desejar ótima quarta.
    Abraços.Sandra

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  11. OI GUARACIABA!
    DRUMMOND, EM SUA SABEDORIA, MOSTRA QUE ESTAMOS TÃO CEGOS NAS PEQUENAS COISAS DA VIDA, QUE NÃO TEMOS MAIS A CAPACIDADE DE VER UM ELEFANTE A NOSSA FRENTE.
    ESCOLHA LINDA AMIGA.
    ABRÇS
    http://zilanicelia.blogspot.com.br/

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  12. Oi, Zilani, é verdade...não tinha pensado por esse aspecto. Vê que interessante, pois diversas pessoas com diversas interpretações do Poema. e todas válidas.
    Um abraço

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  13. Olá Guaraciaba,

    Bacana esta prosa de Drummond. O povo anda muito distraído e indiferente ao que ocorre ao seu redor. Mesmo o que deveria chamar a atenção acaba passando despercebido. Todavia, entre as carências do mundo ( poesia, amor, romantismo), não falta a esperança.

    Ótimo final de semana.

    Beijo.

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  14. Ah! Ouvi a música e gostei. Não a conhecia. Bjs.

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    1. Oi, Vera Lúcia...gosto demais de Drummond porque a delicadeza e a doçura de sua palavra é sentida nas entrelinhas e o elefante metáfora de sua carência comove. A música Rodopia de Tatit me pareceu apropriada para representar o desejo da agradar do elefantinho.Tatit tem um repertório bem interessante,
      inteligente e poético.vale a pena conhecer o seu trabalho.
      Um abraço

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