Amigos

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

ANTIGO SOLAR

Cadeiras na varanda dispostas em ciranda,
debaixo de vistosas e verdes samambaias.
Em frente, o por do sol anunciando o crespúsculo
e os sinos da matriz finalizando o dia...
A hora é de silêncio e de anjos em prece.
Sôbre a toalha de renda da mesa de vime,
um gato de louça dormita em paz;
No jardim, a dama da noite prepara o seu perfume,
na calçada, o flamboyant desenha o seu perfil
contrapondo-se às nuvens fimbriadas de luz
que o sol, de partida, deixa como lembrança
de um dia que finda...e se esvai na quimera
de tempos vividos, na esperança de amores
verdadeiros ou quiçá supostos.
perdidos na alma saudosa da velha senhora...
São tantos sentimentos guardados em mistério,
são tantos "ais" sussurrados em segredo,
são tantas flores em livros, fenecidas,
perfumando páginas de versos de amor...
São tantas linhas de vida sulcadas em seu rosto
quantas foram as traçadas nas mão do seu destino
e que agora, sombreiam sua face serena.
Caem as sombras da noite sôbre as paredes caiadas
e sobre os gerânios floridos das janelas
do antigo solar da velha senhora...
No céu, a primeira estrela prenuncia o seu brilho,
anunciando a hora de acender-se a luz...

Guaraciaba Perides (2001)

sábado, 28 de agosto de 2010

ALMA DESATENTA

As palavras hoje
preferem ficar caladas.
A alma emudece
perdida no obscuro do espanto.
Na penumbra, o pensamento
em círculo, ritima o espaço vazio do conteúdo.
Dizer o quê? Para quê?
Que palavras seriam capazes
de urdir a ternura e o amor na alma desatenta.
Que Anjo delicado faria vibrar as notas sutis
de um amor que se pretende eterno,
de uma amizade que se concebe pura,
de um sentimento raro?
Ficam à espera de um milagre... mas qual...
A alma desatenta permaanece percorrendo labirintos...


Guaraciaba Perides ( outubro de 2009)

AUTOPSICOGRAFIA (um clássico de Fernando Pessoa)

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que êle teve,
Mas só as que êles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Fernando Pessoa (Antologia Poética)

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

DAMA DA NOITE (letra para canção)

Branca flor, branca flor,
pétalas molhadas pelo orvalho
da fria madrugada.
Ainda não nasceu o dia
mas a flor, o seu perfume
ainda exala...
Veste-se na noite com sedas macias
para cultuar a lua
E sonha um sonho lindo
nos jardins da rua...
À luz prateada do luar
faz-se senhora,
Dama por uma noite
até o romper da aurora.
E agora, que o dia se levanta,
a branca flor em seu cálice
adormece.
Feliz por uma noite
e depois esquece...

Guaraciaba Perides (2010)

sábado, 21 de agosto de 2010

LUA (letra para uma canção)

Lua nova de tão nova
Se confunde e se esgarça
entre as nuvens lá do céu.
Se crescente toma ares
de donzela requintada,
e seu brilho se parece
com um anel de fina prata.
Já na cheia esta senhora
brilha em todo esplendor
mais parece uma rainha
em seus domínios de amor.
Na minguante nossa linda,
já não ama, já não quer,
troca todo esse fascínio
por um sonho delicado,
mas sincero,de mulher.
Fecha o ciclo e recomeça...
Lua nova de tão nova
se confunde e se esgarça
entre as nuvens lá do céu...

Guaraciaba Perides (2002)

O ENTERRADO VIVO (Carlos Drummond de Andrade)

É sempre no passado aquele orgasmo,
é sempre no presente aquele duplo,
é sempre no futuro aquele pânico.

É sempre no meu peito aquela garra.
É sempre no meu tédio aquele aceno.
É sempre no meu sono aquela guerra.

É sempre no meu trato o amplo distrato.
Sempre na minha firma a antiga fúria.
Sempre no mesmo engano outro retrato.

É sempre nos meus pulos o limite.
É sempre nos meus lábios a estampilha.
É sempre no meu não aquele trauma.

Sempre no meu amor a noite rompe
Sempre dentro de mim meu inimigo.
É sempre no meu sempre a mesma ausência.

Da Antologia Poética de Carlos Drummond de Andrade.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

SONHOS DE VIDA

Eu vi a face e o perfil
Eu vi o olho e a fronte
Eu vi a frente e o lado
Eu vi o dentro e o fora
Tudo ao mesmo tempo...

Eu vi o tudo e o nada
Vivi o tempo do sonho
Sonhei o tempo da vida
e em mulheres pedra
fiz gavetas de escaninho;
Enfeitei rinoceronte
e na mente sem conflito
eu vi a face do Mito...

Nativas, eu vi, de pura linhagem
Em seu paraíso de flores vestidas
De olhos da noite, de escuro profundo
Vivendo outro sonho,sonhando outro mundo...

E nos campos de trigo, maduros ao sol
Brilhando ao céu de intensos azuis,
Eu vi dessa gente, tão lindas imagens
guardadas pra sempre na luz da paisagem...

Nas festas, nos brilhos ,dos bares da vida
Eu vi mil mulheres, de sonho perdidas,
de risos, de danças, de puro prazer,
da lua, da noite, de intenso viver...

E eu na campina de meigos matizes
cobertas de flores da luz recolhidas
Eu vi, a mulher, de sonho vestida,
sonhando quem sabe, viver outra vida...

E eu, na miragem das cores da mente
Busquei fantasias de intenso sabor
cobrindo os espaços do branco mais puro
em bela harmonia d0 mais puro amor...

E da vida e do sonho
E da luz e da alegria
De cores e de amores
Fizeram-se as artes
de tantos artistas,
de tantos pintores...


Guaraciaba Perides (2001)

domingo, 15 de agosto de 2010

PARA SENTIR O MUNDO

Abro meu coração
para sentir o mundo
Ouço risos, ouço falas,
ouço prantos...
Vejo lugares antigos
Vejo lugares desertos
Vejo florestas imensas
Cidades de caos urbano
Vejo favelas...
Palácios recobertos de ouro e prata
Mendigos nas beiradas dos viadutos
Crianças largadas nas sarjetas
que com outros "sonham" no vício
o seu destino...
Ouço música dos Anjos nas Igrejas
Ouço música dos mestres em capela
Ouço música "pop" nas baladas
Ouço música em mim
quando me calo...
Sinto nas praias a solidão do mar
A vibração intensa do sol que se revela
no Ocidente e ao poente ao fim do dia
Vejo a lua prateada e bela
desfazendo-se em nuvens,
revelando amores...
E me espanto ante o céu de estrelas
pingando luzes pelo firmamento.
Aqui e acolá um pouco do que vejo,
ouço, sinto e falo, quando abro o coração
para sentir o mundo...


Guaraciaba Perides (2010)

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

AVOZINHO DAS MARIONETES

No sótão das Marionetes
mais que bonecos,
havia histórias
de travessias, de vidas longas,
de amarguras, de angústia e medo...
No sótão das marionetes,
mais que bonecos,
havia história
de muitos sonhos e ilusões...
Do ou tro lado do mar,
além das tempestades,
além do tempo incerto,
vêm bonecos em seu baú,
trazer sorrisos e encantamento
que em suas faces fazem brilhar
olhos meninos, luz e alegria
que as maõs do artista fazem dançar...
Vêm bailarinas, lindas ciganas,
faces morenas e homens brancos;
cantam e dançam em língua estranha
e fazem graças no palco aberto.
E lá na sombra as mãos do artista
vão relembrando o loge e o perto,
a nova vida, o novo mundo,
em horizonte de nova vista...
Passa o tempo... gira o moinho,
correndo a água, calam as canções.
Voltam os bonecos ao seu baú,
descansam agora,
no escuro sótão da casa antiga,do
Avozinho das Marionetes...


Guaraciaba Perides (2007)

Conheci as marionetes na casa de uma amiga de infãncia. Foram trazidas da Itália quando o avô imigrou para o Brasil e durante alguns anos foi a sua maneira de ganhar o sustento de sua família.Quando conheci os bonecos eram apenas lembrança de um tempo já bem antigo, mas estavam em boa forma e guardados com muito carinho pela família. O Avozinho era então uma saudosa lembrança.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

BATECUM*

Dia por dia, ano por ano, hora por hora
no batecum do coração passando o tempo
Sol se levanta e em "tourné" enfim se põe
Termina o dia, vem a noite enluarada,
no batecum do coração batendo o tempo
As vêzes chove!
Há também vêzes de enxurrada nas calçadas
de raios e trovões na madrugada,
mas, nada abala o batecum do coração
passando o tempo...
E passa a hora,passa o dia e passa o ano
E vai o coração no batecum passando o tempo...
Há também vêzes que dispara o coração
e como louco batecum da emoção...
Quê de singelo, quê de tão belo
os olhos viram e o coração sentiu?
Se não foi medo, não foi "paúra"
só pode ser algo maior, quem sabe amor
ou formosura de alguém que sem querer
veio abalar a estrutura, de um batecum
que tão sereno, mas, que agora,
não vê mais nada, não vê a hora,
não vê o dia...
Só quer sentir o batecum a todo o tempo...


Guaraciaba (2009)

* pulsação forte do coração e das artérias ou batidas sucessivas em ins-
trumento de percussão (Dicionário da Língua portuguesa) da academia
Brasileira de Letras)

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

CADEIRAS NAS CALÇADAS

Nas calmas noites de verão
sentados em cadeiras nas calçadas
Os antigos conversavam.
E as vozes ecoam desde então
por ares de outros tempos
desfiando novelos de memória...
Crianças cantavam cantigas que
ainda persistem no brilho das estrelas.
"Senhora Dona Sancha,coberta de ouro e prata..."
Como se ainda fossem histórias de Portugal
Correrias,"mãe da rua", "boca de forno"
"façam tudo que seu mestre mandar"...
E os velhos perpétuos nas cadeiras
lembram-se de tempos ainda mais antigos,
tempos de Anjos e Arcanjos velando
pelas calçadas os meninos de outrora.
Eram calmas as noites de então...

Guaraciaba (2007)

sábado, 7 de agosto de 2010

BELO BELO (poema de Manuel Bandeira )

Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inaccessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdad e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero

Manuel bandeira (Petrópolis, fevereiro de 1917)

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Myself- Em busca do meu Eu

No alto da colina
há uma capela branca
E na capela a torre
com um sino de ouro
Quando eu ouço o sino
banho-me na fonte,
visto-me de branco
e sigo ao meu Encontro...

Guaraciaba (2010)

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Alma Encantada

A alma encantada
de um sonho desperto
a vir a ser o que será
aos olhos desse mar...
quem sabe a lua
traga-lhe o desejo,
quem sabe o vento
sussurre aos seus ouvidos...
O que fazer se nada sei
de mim ou de outro alguém?
Alma encantada de vida vivida!
Quem sabe o barco voltando
no tempo...singre de novo
por mares de outrora...
Mas, qual seria o feito,
mas, qual seria o jeito
da alma encantada criar suas raízes?
Sempre à frente,
que urge o tempo
que não mais existe e
é sempre o novo tempo que resiste.
A alma encantada segue o seu caminho
de vir a ser o que será...
O rumo certo...na Rosa dos Ventos está.

Guaraciaba (2010)

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Raízes Coloniais


Tarde no passeio público
Desfilam senhorinhas em pelicas,
cuidando de seus trajes em seda
e de suas tranças negras.
São pálidas como convém
às donzelas bem nascidas,
levam sombrinhas rendadas
que lhes ornam os rostos,
delicadas flores européias
no calor dos trópicos...
O que sonham? Mistério.

Passam ao largo escravos semi-nus
carregando fardos e tonéis.
Mulheres negras em algodão grosseiro.
branco encardido, vermelho descorado,
cuidam da lida da compra de alimentos...
Seus dentes brilham ao sol, bem como,
a pele de cujo suor escorre,
dando lustro à pele escura...
Alguns cantam músicas
em outras línguas,
outros gargalham no riso debochado.
O que dizem? Mistério

Soldados cuidam da ordem pública
montados em cavalos imponentes que
Passam pisando duro nas pedras das calçadas.
Do alto de suas montarias olham com desprezo
a escravaria,
e nem ousam olhar as donzelas do passeio...
O que pensam? Mistério

Bimbalham os sinos das Igrejas
anunciando horas,
passa o ministro de Deus,olhos vazios,pensamento oculto.
Correm crianças para beijar-lhe a mão, que distraído
vai lançando bençãos...
O que sente? Mistério

À porta das bodegas cheirando à cachaça
homens do povo vão dizendo graças
à mulher que passa...
À porta dos salões mais finos
homens de classe lançam cobiças
às donzelinhas puras
que entre sussurros contabilizam castas
à espera de maridos que lhes deem
as graças,de continuar em sedas,
perpetuando a raça...
O que esperam? Mistério.

Guaraciaba (2009)

domingo, 1 de agosto de 2010

POESIA

As vêzes você chega docemente
Trazendo uma visão de encantamento
É o mel da vida que se faz mais puro
Sua presença em mim se faz mais forte.
As você chega sem palavras
e o visão mais clara que o sentido tem.
são cores mais vibrantes,
são cheiros de memória,
são gostos perfumados,
são sons que vêm à tona,
canção que perpetua o amor e a alegria.
E nasce em minha alma a poesia...


Guaraciaba (2001)